Lucas Pereira de Oliveira
RESUMO: O treinamento contra resistência
(musculação), ainda sofre muito preconceito a cerca de sua aplicação para
crianças, sendo banalizada sua prática por estar relacionada à interferência no
crescimento. Este Artigo Científico de revisão é uma publicação com autoria
declarada, que procura apresentar discussões sobre a musculação para crianças
do estágio operacional concreto (aproximadamente de 7 a 11 ou 12 anos) ate o estágio
operacional-abstrato ou formal (de 11 ou 12 anos a 14 ou 15 anos), de ambos os
gêneros procurando apresentar possíveis alterações causadas pelo treinamento de
musculação para essa faixa etária.
Palavras-chave: Musculação. Criança. Crescimento
INTRODUÇÃO
Piaget classifica a criança do estágio operacional
concreto com aproximadamente de 7 a 11 ou 12 anos de idade e o estágio
operacional-abstrato ou formal de 11 ou 12 anos a 14 ou 15 anos.
O treinamento contra resistência (musculação) para
crianças parece não ser aceito por muitos profissionais da área da saúde. Isso
pode ser explicado pelo fato de muitos desses profissionais ainda estarem
completamente desatualizados, pois pesquisas atuais têm demonstrado os
verdadeiros efeitos da musculação para esta faixa etária. A afirmação “criança
não pode fazer musculação” pode ser atribuída a estudos mais antigos, que questionavam
constantemente a segurança e eficiência desse tipo de treinamento. Outros ainda
defendem a ideia de que a compressão dos discos epifisários (responsáveis pelo
crescimento longitudinal dos ossos), antes da ossificação completa, poderia prejudicar
ou até mesmo retardar o crescimento deles (CAMPOS, 2008).
De acordo com BLIMKIE, 1993 um treino de musculação
bem orientado e individualizado para as crianças anulam praticamente todos os
riscos possíveis. Além disso, novas evidências mostram que as crianças podem
aumentar a força muscular através da musculação (GUY, 1999).
E este artigo, portanto, procura discutir pesquisas
atuais sobre a musculação para crianças de ambos os gêneros. Sendo assim, este também
irá apresentar possíveis alterações causadas pelo treinamento de musculação
para essa faixa etária.
DESENVOLVIMENTO
O termo “treinamento contra resistência” é
utilizado para descrever uma grande variedade de métodos e modalidades que
aprimoram a força muscular. É também utilizado como sinônimo de “musculação”. O
treinamento contra resistência inclui também as resistências causadas por meio
da hidráulica, de elásticos, de molas e exercícios de isometria. Tecnicamente,
a musculação refere-se ao levantamento de pesos (anilhas, lastros ou placas de
pesos) existente em alguns aparelhos ou implementos (RODRIGUES, 2001).
A história da musculação é muito antiga, e existem
relatos históricos que datam do início dos tempos e que afirmam que a prática
da ginástica com pesos, escavações encontraram pedras com entalhes para as mãos
permitindo aos historiadores intuir que pessoas utilizavam o treinamento com
pesos (FLECK E KRAEMER, 1999).
Essa modalidade tão antiga vem sendo vitima de
pré-conceito quando relacionada sua prática por crianças, talvez por estar
equivocadamente relacionada com a interferência no crescimento (FISCHER, 2009),
que seria devido:
[...] a compressão dos discos epifisários antes da
ossificação pode retardar o crescimento ósseo ou até interrompê-lo, daí a
importância de se dosar a intensidade dos exercícios de musculação para as
crianças [...] (CAMPOS, 2008. Pag. 104).
Muitos que contra-indiciam a musculação apoiam-se nesta
hipótese, mesmo sabendo que não há suporte suficiente na literatura cientifica
para tal linha de pensamento. No entanto, alguns autores atribuem a outros
fatores que realmente interferem no crescimento final da criança.
É consenso entre diversos autores a grande
influência que o meio ambiente pode exercer sobre o processo de crescimento e
desenvolvimento humano (MALINA, 2002).
Fragoso e Vieira (2000), definem o estado
nutricional e a doença como variáveis ambientais primárias. Essas variáveis favoreceriam
crianças nascidas em famílias com número reduzido de filhos e situação
sócio-econômica favorável. O primeiro (nutricional), dentro do chamado espaço-família,
implicaria a divisão de recursos entre maior ou menor número de filhos, enquanto
a segunda hipótese (ambiente intra-uterino) estaria relacionada ao vigor físico
da mãe no momento da concepção.
Aqueles autores acrescentam que o meio ambiente
intra-uterino exerce um papel significativo no crescimento da criança, porém, o
fator nutricional adequado ou inadequado pode afetar o crescimento subsequente,
independente do fator genético.
O fator hereditário tem chamado a atenção da
humanidade desde 1906, quando “Walter Betson” pôs em uso o termo “genética”
(MOSKATOVA, 1998).
Diversos estudos sobre o crescimento evidenciam o
papel do fator genético. Entretanto, as variáveis que envolvem fatores
hereditários precisam ser consideradas para se obterem os índices de
características herdadas.
[...] o fator genético ou hereditário refere-se à
marca registrada que a criança traz consigo, a qual determina o seu potencial
de crescimento e desenvolvimento. Filhos de pais com estatura elevada trazem
consigo um potencial para atingir uma estatura de média para alta [...] (BÖHME,
1996, p.2).
Sabe-se que o meio ambiente, a situação
sócio-econômica e as questões relacionadas à saúde podem influenciar no crescimento
e, consequentemente, na estatura final, ainda que essa seja um dos fatores sujeito
a intenso controle genético (PEREIRA e ARAÚJO, 1993).
A hereditariedade é um fator no qual se origina o
genótipo, que dependerá das influências (positivas e negativas) do meio ambiente
(interno e externo) para se manifestar na forma do fenótipo. O crescimento é um
processo complexo, com grande dependência genética e para se atingir o
potencial genético máximo do fator estatura, as condições ambientais também
devem ser favoráveis (THEINTZ e colaboradores, 1993).
Diante das afirmações citadas seria injusto privar
uma criança de praticar uma atividade física como essa, mesmo porque a
deficiência de crescimento pode estar diretamente ligada a outros fatores
externos e não a musculação propriamente dita.
A musculação pode trazer benefícios como o aumento
da força muscular, melhora da resistência muscular e cardiovascular e pode,
ainda, causar uma maior estabilidade articular e evitar consequentemente
possíveis lesões do dia a dia (MELONI, 2004).
Quatro associações internacionais bem conceituadas
já emitiram parecer favorável à prática de exercício resistido (musculação) em
crianças e adolescentes como um exercício eficaz e seguro quando bem orientado,
são elas: American College Of Sports Medicine (ACSM, 2000). National Strength
and Conditioning Association (NSCA, 1996). The American Academy of Pediatrics
(AAP, 2001). American Orthopedic Society for Sports Medicine (AOSSM, 1988).
FISCHER, 2009 cita que a maioria das crianças podem
se beneficiar com os programas de treinamento de força, no que diz respeito à
melhora do condicionamento físico e desempenho nos esportes ou para reduzir a
probabilidade de lesões em atividades esportivas ou recreativas.
O autor afirma ainda em seu trabalho que um
programa de exercício eficiente e seguro pode ser necessário para tratar
doenças crônicas (ex. obesidade) na infância. O treinamento de força tem sido
adotado como forma segura e eficaz nos programas para redução de peso em
crianças e adolescentes (SCHWINGSHANDL et al, 1999). Em um estudo realizado na
Universidade de Louisiana, os pesquisadores utilizaram a musculação num
programa para redução de peso corporal em crianças. Houve mudanças
significativas na composição corporal (redução de peso e % de gordura) e
nenhuma lesão foi reportada nessa pesquisa (SOTHERN et al, 1999).
O desenvolvimento ósseo das crianças também é
afetado positivamente em função do treinamento com pesos. Quantidades
aumentadas de fibras colágenas e sais inorgânicos são depositados nos ossos
como resposta a tensão muscular, coeficiente de tensão e compressão. Essa
melhora da densidade óssea pode ser importantíssima na prevenção da
osteoporose, já que um aumento na ordem de apenas 5% da densidade mineral óssea
pode diminuir os riscos de fraturas em idades avançadas em até 25% (FISCHER,
2009).
Resumidamente, os principais benefícios da prática
da musculação são:
Aumento da força e resistência muscular;
Melhora do desempenho esportivo;
Prevenção de lesões nos esportes e também em
atividades recreativas;
Reabilitação de lesões;
Melhora da composição corporal, com diminuição da gordura
corporal, podendo dessa forma prevenir e tratar a obesidade infantil;
Aumento da densidade mineral óssea;
Aumento da capacidade cardiorespiratória;
Diminuição de lipídios sanguíneos, e;
Melhoria do bem estar psico-social.
Diante de todas essas afirmações baseadas em sérios
trabalhos realizados por grandes nomes da literatura cientifica, não temos por que
excluir uma atividade física como essa das opções esportivas das crianças.
CONCLUSÃO
Os estudos citados neste colaboram para
desmistificar a ideia de que um treinamento de musculação pode atrapalhar o
crescimento de uma criança, mesmo sabendo que,
[...] o crescimento retardado em atletas de
Ginástica Olímpica está totalmente relacionado com o excesso de treinamento
intensivo e principalmente a dieta inadequada que as ginastas são submetidas,
uma vez que esse retardamento não é observado em atletas do sexo masculino
[...] (WEIMANN et al , 2000; ROGOL et al, 2000).
Mesmo porque, é quase que impossível que um
professor de musculação consiga aplicar um treinamento tão intenso a uma
criança, igual ao aplicado em um atleta de alto nível.
Sendo assim, a musculação é realmente prejudicial
ao crescimento da criança? Possivelmente, alguém ainda pode argumentar que uma
lesão na placa epifisária poderia causar uma alteração no crescimento, mas deve
ficar claro que a lesão de uma determinada placa afetaria somente o membro lesionado
e não comprometeria o crescimento de todo corpo.
[...] não foi reportado NENHUM tipo de fratura nas
placas epifisárias em estudos com exercícios resistidos que utilizaram
treinamento apropriado e orientação competente [...] (NSCA,1996).
Muitos trabalhos científicos foram publicados nos
últimos anos apoiando e desmistificando alguns mitos relacionados à prática de
musculação por crianças, adolescentes e em qualquer outra faixa etária. E em
todos esses trabalhos foram relatados vários benefícios, enquanto raramente são
identificados efeitos prejudiciais do exercício resistido, mesmo em crianças
pré-púberes. Os dados neste expostos e os vários estudos publicados sobre este
tema, definitivamente desmistificam os efeitos negativos do treinamento de
musculação na infância e adolescência. Então o que estamos esperando?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BLIMKIE CJ. Resistance training during
preadolescence. Issues and controversies. Sports Med; 15(6):389-407, 1993 Jun.
BÖHME, M.T.S. Detecção, seleção e promoção de
talentos esportivos: determinação de critérios de desempenho nos aspectos
bio-psico-social. São Paulo: EEFEUSP, 1996. (Projeto de pesquisa
interdisciplinar do Departamento de Esporte).
CAMPOS, Mauricio de Arruda. Musculação: Diabéticos,
osteoporóticos, Idosos, Crianças, Obesos. Rio de Janeiro: 4ª edição: Sprint,
2008.
Desiginin Resistence Training Programs. Fleck,
Steven J., Kraemer, William J. 1999, 3 ed. Third.
FISCHER, Bruno. Parecer técnico sobre o treinamento
de musculação durante a infância e adolescência. 2009
Ginástica Artística: Mitos e Verdades da Sociedade
Brasileira. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte – 2006, 5(2):21-31
GUY JA; MICHELI LJ Strength training for children
and adolescents. J Am Acad rthop Surg; 9(1):29-36, 2001 Jan-Feb.
MALINA R. M., et al. Prospective and retrospective
longitudinal studies of the growth, maturation, and fitness of Polish youth
active in sport. Int J Sports Med, 18, Suppl 3, S179-85 (1997).
MELONI, Victor. Musculação e crianças:
incompatíveis? 2004Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento,
São Paulo v.2, n. 7, Jan/Fev. 2008. ISSN 1981-9919.
PEREIRA, J. F. ARAÚJO P. M. C;. A Ginástica
Artística e o crescimento estatural. Horizonte, Lisboa, v. 10, n. 55, p. 34 – 38,
1993
RODRIGUES, Carlos Eduardo Cossenza Musculação,
métodos e sistemas/Carlos Eduardo Cossenza Rodrigues - Rio de Janeiro : 3a
edição : 2001
SCHWINGSHANDL J; SUDI K; EIBL B; WALLNER S;
BORKENSTEIN M. Effect of an individualised training programme during weight
reduction on body composition: a randomised trial. arch dis child; 81(5):426-8,
1999 NOV.
SOTHERN MS; LOFTIN JM; UDALL JN; SUSKIND RM; EWING
TL; TANG SC; BLECKER U Safety, feasibility, and efficacy of a resistance
training program in preadolescent obese children. Am J Med Sci; 319(6):370-5,
2000 Jun.
SOTHERN MS; LOFTIN JM; UDALL JN; SUSKIND RM; EWING
TL; TANG SC; BLECKER U. Inclusion of resistance exercise in a multidisciplinary
outpatient treatment program for preadolescent obese children. South Med J;
92(6):585-92, 1999 Jun.
THEINTZ, G. E.; HOWALD, H.; ALLEMANN, Y.; SIZONENKO,
P. C. Growth and Pubertal Development of young female Gymnasts and Swimmers: a
Correlation with Parental Data. International Journal of Sports Medicine. Stuttgar,
v. 10, p. 87-91, 1989.
WELTMAN A, JANNEY C, HUBER R, RIANS CB, KATCH FI.
Comparison of hydrostatic weighing at residual volume and total lung capacity
in pre-pubertal males. Hum Biol. 1987 Feb;59(1):51-7.
WELTMAN A, JANNEY C, RIANS CB, STRAND K, BERG B,
TIPPITT S, WISE J, CAHILL BR, KATCH FI. The effects of hydraulic resistance
strength training in pre-pubertal males. Med Sci Sports Exerc. 1986 Dec; 18(6):629-38.
Youth Resistance Training: Position Statement and
Literature Review;NSCA,1996