sábado, 6 de outubro de 2012

MUSCULAÇÃO NA INFÂNCIA: a interferência no crescimento


Lucas Pereira de Oliveira

RESUMO: O treinamento contra resistência (musculação), ainda sofre muito preconceito a cerca de sua aplicação para crianças, sendo banalizada sua prática por estar relacionada à interferência no crescimento. Este Artigo Científico de revisão é uma publicação com autoria declarada, que procura apresentar discussões sobre a musculação para crianças do estágio operacional concreto (aproximadamente de 7 a 11 ou 12 anos) ate o estágio operacional-abstrato ou formal (de 11 ou 12 anos a 14 ou 15 anos), de ambos os gêneros procurando apresentar possíveis alterações causadas pelo treinamento de musculação para essa faixa etária.

Palavras-chave: Musculação. Criança. Crescimento

INTRODUÇÃO

Piaget classifica a criança do estágio operacional concreto com aproximadamente de 7 a 11 ou 12 anos de idade e o estágio operacional-abstrato ou formal de 11 ou 12 anos a 14 ou 15 anos.
O treinamento contra resistência (musculação) para crianças parece não ser aceito por muitos profissionais da área da saúde. Isso pode ser explicado pelo fato de muitos desses profissionais ainda estarem completamente desatualizados, pois pesquisas atuais têm demonstrado os verdadeiros efeitos da musculação para esta faixa etária. A afirmação “criança não pode fazer musculação” pode ser atribuída a estudos mais antigos, que questionavam constantemente a segurança e eficiência desse tipo de treinamento. Outros ainda defendem a ideia de que a compressão dos discos epifisários (responsáveis pelo crescimento longitudinal dos ossos), antes da ossificação completa, poderia prejudicar ou até mesmo retardar o crescimento deles (CAMPOS, 2008).  

De acordo com BLIMKIE, 1993 um treino de musculação bem orientado e individualizado para as crianças anulam praticamente todos os riscos possíveis. Além disso, novas evidências mostram que as crianças podem aumentar a força muscular através da musculação (GUY, 1999).

E este artigo, portanto, procura discutir pesquisas atuais sobre a musculação para crianças de ambos os gêneros. Sendo assim, este também irá apresentar possíveis alterações causadas pelo treinamento de musculação para essa faixa etária.

DESENVOLVIMENTO

O termo “treinamento contra resistência” é utilizado para descrever uma grande variedade de métodos e modalidades que aprimoram a força muscular. É também utilizado como sinônimo de “musculação”. O treinamento contra resistência inclui também as resistências causadas por meio da hidráulica, de elásticos, de molas e exercícios de isometria. Tecnicamente, a musculação refere-se ao levantamento de pesos (anilhas, lastros ou placas de pesos) existente em alguns aparelhos ou implementos (RODRIGUES, 2001).

A história da musculação é muito antiga, e existem relatos históricos que datam do início dos tempos e que afirmam que a prática da ginástica com pesos, escavações encontraram pedras com entalhes para as mãos permitindo aos historiadores intuir que pessoas utilizavam o treinamento com pesos (FLECK E KRAEMER, 1999).

Essa modalidade tão antiga vem sendo vitima de pré-conceito quando relacionada sua prática por crianças, talvez por estar equivocadamente relacionada com a interferência no crescimento (FISCHER, 2009), que seria devido:

[...] a compressão dos discos epifisários antes da ossificação pode retardar o crescimento ósseo ou até interrompê-lo, daí a importância de se dosar a intensidade dos exercícios de musculação para as crianças [...] (CAMPOS, 2008. Pag. 104).

Muitos que contra-indiciam a musculação apoiam-se nesta hipótese, mesmo sabendo que não há suporte suficiente na literatura cientifica para tal linha de pensamento. No entanto, alguns autores atribuem a outros fatores que realmente interferem no crescimento final da criança.

É consenso entre diversos autores a grande influência que o meio ambiente pode exercer sobre o processo de crescimento e desenvolvimento humano (MALINA, 2002).

Fragoso e Vieira (2000), definem o estado nutricional e a doença como variáveis ambientais primárias. Essas variáveis favoreceriam crianças nascidas em famílias com número reduzido de filhos e situação sócio-econômica favorável. O primeiro (nutricional), dentro do chamado espaço-família, implicaria a divisão de recursos entre maior ou menor número de filhos, enquanto a segunda hipótese (ambiente intra-uterino) estaria relacionada ao vigor físico da mãe no momento da concepção.

Aqueles autores acrescentam que o meio ambiente intra-uterino exerce um papel significativo no crescimento da criança, porém, o fator nutricional adequado ou inadequado pode afetar o crescimento subsequente, independente do fator genético.

O fator hereditário tem chamado a atenção da humanidade desde 1906, quando “Walter Betson” pôs em uso o termo “genética” (MOSKATOVA, 1998).

Diversos estudos sobre o crescimento evidenciam o papel do fator genético. Entretanto, as variáveis que envolvem fatores hereditários precisam ser consideradas para se obterem os índices de características herdadas. 

[...] o fator genético ou hereditário refere-se à marca registrada que a criança traz consigo, a qual determina o seu potencial de crescimento e desenvolvimento. Filhos de pais com estatura elevada trazem consigo um potencial para atingir uma estatura de média para alta [...] (BÖHME, 1996, p.2).

Sabe-se que o meio ambiente, a situação sócio-econômica e as questões relacionadas à saúde podem influenciar no crescimento e, consequentemente, na estatura final, ainda que essa seja um dos fatores sujeito a intenso controle genético (PEREIRA e ARAÚJO, 1993).
 
A hereditariedade é um fator no qual se origina o genótipo, que dependerá das influências (positivas e negativas) do meio ambiente (interno e externo) para se manifestar na forma do fenótipo. O crescimento é um processo complexo, com grande dependência genética e para se atingir o potencial genético máximo do fator estatura, as condições ambientais também devem ser favoráveis (THEINTZ e colaboradores, 1993).

Diante das afirmações citadas seria injusto privar uma criança de praticar uma atividade física como essa, mesmo porque a deficiência de crescimento pode estar diretamente ligada a outros fatores externos e não a musculação propriamente dita.

A musculação pode trazer benefícios como o aumento da força muscular, melhora da resistência muscular e cardiovascular e pode, ainda, causar uma maior estabilidade articular e evitar consequentemente possíveis lesões do dia a dia (MELONI, 2004).

Quatro associações internacionais bem conceituadas já emitiram parecer favorável à prática de exercício resistido (musculação) em crianças e adolescentes como um exercício eficaz e seguro quando bem orientado, são elas: American College Of Sports Medicine (ACSM, 2000). National Strength and Conditioning Association (NSCA, 1996). The American Academy of Pediatrics (AAP, 2001). American Orthopedic Society for Sports Medicine (AOSSM, 1988).

FISCHER, 2009 cita que a maioria das crianças podem se beneficiar com os programas de treinamento de força, no que diz respeito à melhora do condicionamento físico e desempenho nos esportes ou para reduzir a probabilidade de lesões em atividades esportivas ou recreativas.

O autor afirma ainda em seu trabalho que um programa de exercício eficiente e seguro pode ser necessário para tratar doenças crônicas (ex. obesidade) na infância. O treinamento de força tem sido adotado como forma segura e eficaz nos programas para redução de peso em crianças e adolescentes (SCHWINGSHANDL et al, 1999). Em um estudo realizado na Universidade de Louisiana, os pesquisadores utilizaram a musculação num programa para redução de peso corporal em crianças. Houve mudanças significativas na composição corporal (redução de peso e % de gordura) e nenhuma lesão foi reportada nessa pesquisa (SOTHERN et al, 1999).

O desenvolvimento ósseo das crianças também é afetado positivamente em função do treinamento com pesos. Quantidades aumentadas de fibras colágenas e sais inorgânicos são depositados nos ossos como resposta a tensão muscular, coeficiente de tensão e compressão. Essa melhora da densidade óssea pode ser importantíssima na prevenção da osteoporose, já que um aumento na ordem de apenas 5% da densidade mineral óssea pode diminuir os riscos de fraturas em idades avançadas em até 25% (FISCHER, 2009).
Resumidamente, os principais benefícios da prática da musculação são:
Aumento da força e resistência muscular;
Melhora do desempenho esportivo;
Prevenção de lesões nos esportes e também em atividades recreativas;
Reabilitação de lesões;
Melhora da composição corporal, com diminuição da gordura corporal, podendo dessa forma prevenir e tratar a obesidade infantil;
Aumento da densidade mineral óssea;
Aumento da capacidade cardiorespiratória;
Diminuição de lipídios sanguíneos, e;
Melhoria do bem estar psico-social.
               
Diante de todas essas afirmações baseadas em sérios trabalhos realizados por grandes nomes da literatura cientifica, não temos por que excluir uma atividade física como essa das opções esportivas das crianças. 

CONCLUSÃO

Os estudos citados neste colaboram para desmistificar a ideia de que um treinamento de musculação pode atrapalhar o crescimento de uma criança, mesmo sabendo que,
[...] o crescimento retardado em atletas de Ginástica Olímpica está totalmente relacionado com o excesso de treinamento intensivo e principalmente a dieta inadequada que as ginastas são submetidas, uma vez que esse retardamento não é observado em atletas do sexo masculino [...] (WEIMANN et al , 2000; ROGOL et al, 2000).


Mesmo porque, é quase que impossível que um professor de musculação consiga aplicar um treinamento tão intenso a uma criança, igual ao aplicado em um atleta de alto nível.

Sendo assim, a musculação é realmente prejudicial ao crescimento da criança? Possivelmente, alguém ainda pode argumentar que uma lesão na placa epifisária poderia causar uma alteração no crescimento, mas deve ficar claro que a lesão de uma determinada placa afetaria somente o membro lesionado e não comprometeria o crescimento de todo corpo.

[...] não foi reportado NENHUM tipo de fratura nas placas epifisárias em estudos com exercícios resistidos que utilizaram treinamento apropriado e orientação competente [...] (NSCA,1996).


Muitos trabalhos científicos foram publicados nos últimos anos apoiando e desmistificando alguns mitos relacionados à prática de musculação por crianças, adolescentes e em qualquer outra faixa etária. E em todos esses trabalhos foram relatados vários benefícios, enquanto raramente são identificados efeitos prejudiciais do exercício resistido, mesmo em crianças pré-púberes. Os dados neste expostos e os vários estudos publicados sobre este tema, definitivamente desmistificam os efeitos negativos do treinamento de musculação na infância e adolescência. Então o que estamos esperando?




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BÖHME, M.T.S. Detecção, seleção e promoção de talentos esportivos: determinação de critérios de desempenho nos aspectos bio-psico-social. São Paulo: EEFEUSP, 1996. (Projeto de pesquisa interdisciplinar do Departamento de Esporte).

CAMPOS, Mauricio de Arruda. Musculação: Diabéticos, osteoporóticos, Idosos, Crianças, Obesos. Rio de Janeiro: 4ª edição: Sprint, 2008.

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FISCHER, Bruno. Parecer técnico sobre o treinamento de musculação durante a infância e adolescência.  2009

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